sexta-feira, 22 de março de 2013

ESPELHO, ESPELHO MEU

ESPELHO, ESPELHO MEU.


Rubores, suores, taquicardia, medo, vergonha, menos valia, pensamentos confusos e pessimistas. Segundo a Organização Mundial de Saúde, cresce o número do que a psiquiatria classificou como “fobia social” ou “ansiedade social”. Esse quadro refere-se a um medo acentuado de situações sociais ou de desempenho perante outras pessoas, provocando graus variados de ansiedade. A pessoa reconhece que esse medo é excessivo e irracional, mas não consegue evitá-lo, acarretando “prejuízos” afetivos ou profissionais.
Diante da complexidade do fenômeno, pesquisadores da área de saúde mental têm se debruçado sobre o tema. Uma das hipóteses levantadas é a de que a cultura atual contribuiria para a exacerbação dos quadros de fobia social. Se outrora os valores estavam atrelados a ideais éticos, hoje o ideal que comanda a cena é de outra ordem – a exigência de atuações de alta performance e desempenho, representam hoje o valor que o indivíduo possui.
Considerada como a sociedade do espetáculo, hoje testemunhamos a supremacia da imagem. Para Debord, um dos filósofos mais importantes da atualidade, “o espetáculo não é um conjunto de imagens, mas uma relação social entre pessoas mediada por imagens”. Não é à toa que as redes sociais são cada vez mais utilizadas como forma de divulgação de mínimos detalhes do cotidiano das pessoas, com pouca ou nenhuma importância, transformados em espetáculo.
Em um recente comercial de marca de carro, por exemplo, um casal aguarda, em um restaurante, por um amigo que irá apresentar a uma amiga. As qualidades citadas para justificar a razão do interesse da moça pelo rapaz dizem respeito ao fato de ele jogar tênis e ter o carro tal. Nesse sentido, os objetos performáticos são oferecidos como ornamentos fundamentais para a construção de uma imagem ideal.
Quando esses valores vão de encontro a indivíduos que têm por característica um funcionamento psíquico altamente exigente e severo, provocam um julgamento interno desmedido, um sentimento de inferioridade que pode levá-lo a acreditar que são avaliados negativamente pelos outros. Como uma forma de tentar reparar as suas “falhas” e justificar a sua presença em um grupo social, o sujeito se impõe ao cumprimento de uma imagem que, na verdade, pode estar em desacordo com a sua maneira de ser. Nesse contexto, qualquer vivência, como ser indagado, falar em público, ou simplesmente se apresentar, pode desencadear uma espécie de descontinuidade entre essa imagem, fragilmente sustentada, e um sentimento interno de desvalia.
Diferentemente de outras fobias, a fobia social se traduz por uma experiência dolorosa do sentimento de vergonha de si. O sujeito se vê inferior e incapaz de corresponder ao que julga ser um ideal social. É claro que, para uma inibição de tal natureza, é preciso tratamento. Mas, talvez seja também importante refletir sobre o aumento no diagnóstico de fobia social. Não estaria esse aumento relacionado a uma naturalização de desempenhos performáticos?
Parece que hoje as pessoas têm sofrido de “desempenho” ou da falta dele e não do sofrimento inerente ao próprio viver. Não seriam a fobia social, as depressões, a síndrome de pânico, expressões desse “novo sofrimento”? Ao invés de estarmos aumentando o número de diagnósticos, poderíamos estar marcando e sustentando a diferença, não como uma incompetência, mas como um estilo, uma forma de viver.
Os sofrimentos são, de certa maneira, o espelho da cultura de uma época. Desconstruir esse funcionamento superegoico, diminuir o excesso que há entre a exigência interna e a “realidade deformada”, pode ser uma saída.
Fátima Rabelo-Psicanalista – 04-05-2012
Postado por: Kelle poliiana

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