quinta-feira, 14 de março de 2013

Abuso de drogas: uma visão psicanalítica




A questão da drogadição (adição, apego, uso, dependência de drogas) é complexa, uma vez que envolve a causa original, psíquica, além da dependência química, com seus conseqüentes danos físicos e pessoais – nem sempre reconhecidos – e as situações envolventes familiares e sociais.

A Psicanálise é uma disciplina de profunda compreensão do funcionamento mental e emocional, e uma prática terapêutica singular para o tratamento dos conflitos psicológicos e sofrimentos decorrentes. Dos estudos psicanalíticos a partir desta pratica clínica, podemos apontar os pontos a seguir.

1. A compreensão do problema. Através do uso de drogas o indivíduo estabelece e inicia uma atividade compulsiva onde a motivação interna, inconsciente, é de se livrar de um estado íntimo perturbado ou de um sentimento ruim interno e de tudo que é sentido como indesejável ou intolerável, mesmo o que é natural e próprio da realidade. Isso é feito com a impressão ilusória de que está buscando algo bom. Há elementos psíquicos primitivos operando fortemente: a intolerância à frustração, aos limites, à espera, acionando a compulsão à repetição, associada à voracidade e, o que é menos reconhecido, à ação da auto-destrutividade. Esta é uma força psíquica instintiva, primitiva e inconsciente, com efeitos prejudiciais e desastrosos na relação da pessoa com ela mesma e com os demais; mas há muita resistência em reconhecê-la e admiti-la.

2. Há na drogadição uma busca de certa substituição (infrutífera) do que falta à pessoa em auto-estima, em tolerância à realidade, em realizações construtivas e do que sobra em desconhecidos conflitos emocionais, interiores, fazendo-a levar-se por sensações causadas quimicamente pela droga que “está à sua mão”. É o imediatismo e a ilusão de poder, em lugar da construção de uma realização, ou seja, de uma satisfação dentro da realidade.

3. A negação e a eliminação dos limites, das dificuldades naturais, da realidade objetiva e do “outro” (aquele de quem se precisa) é predominante no usuário de drogas (drogadito). Assim como a negação para si mesmo da intensidade da dependência (é tão comum se ouvir: “quando eu quiser, eu paro...”) e dos danos e prejuízos que se causa.

E como pode a psicanálise, em sua prática terapêutica, ajudar aqueles que sofrem de dependência química, física e psíquica? Quando alguém chega a um psicanalista, desde o início se estabelece uma parceria, a dupla de trabalho, o que por si só é um alento significativo para quem sofre principalmente se há alguma consciência de que vem se causando sérios prejuízos. Assim, a relação terapeuta-paciente, o compromisso compartilhado, numa continuidade intensiva, estimula a busca e a descoberta do “conhecer a si mesmo”, indispensável para possibilitar uma mudança interna. Haverá, então, um trabalho de conhecimento e compreensão de como se estabeleceu – e porque se repete – a dependência. Esta é uma situação (a do entendimento) muito diferente do que o usuário de drogas está acostumado a encontrar na família e na sociedade: reprovação, cobrança ou desqualificações. Com o progresso do tratamento e o entrosamento da dupla analítica, começa a haver progressivamente um reconhecimento pelo analisando do quanto ele mesmo é o causador de seus sofrimentos, de sua dependência. Isto sem que haja um estado de culpa reprobatória, mas sim o de lamento e pesar que sugere superar-se. Assim, vai ficando claro que, mais do que ninguém ou que qualquer medicação, é o próprio usuário de drogas, agora também analisando, quem poderá consertar o que desarrumou e danificou em seu mundo mental e pessoal. Isto irá ocorrer através do exercício continuado, em cada sessão, do uso da capacidade de pensar: descobrir e identificar os componentes psíquicos, emocionais, em litígio internamente, desenvolvendo-se, então, impulsos de mudança e transformações. Muitos exemplos da experiência clínica elucidariam este processo terapêutico, mas não cabem neste contexto.

O tratamento psicanalítico não se limita apenas a ajudar na descoberta e superação de conflitos internos e seus sintomas e distúrbios decorrentes, mas ainda, e de forma intensa, na possibilidade de o analisando reconhecer muitas capacidades criativas e atributos de crescimento e desenvolvimento que são desconhecidas por ele e estão presas, obstaculizadas pela drogadição. É impressionante perceber na prática clínica o quanto que as pessoas não têm consciência dos distúrbios internos próprios (que causam sérios prejuízos em suas vidas), como também não conhecem os muitos recursos e potenciais construtivos que possuem. O aspecto mais grave da drogadição é de sua patologia e seus danos não perceptíveis, não admitidos, disfarçados, minimizados. A sua prática realizada em grupos, adeptos também, banalizada, justificada até, vai reforçando mecanismos que seduzem e estimulam seu reasseguramento, não permitindo autocrítica. Quando os prejuízos e sofrimentos se tornam evidentes e dramáticos, já são “casos avançados”, complicados. O método psicanalítico de tratamento tem condições de alcançar os níveis inconscientes, identificar os conflitos que se transformam em sintomas e compulsões e, com isso, muitas vezes, se torna uma experiência preventiva, uma mudança de rumo que auxilia a evitar maior comprometimento com as drogas.

Certamente os casos de dependência química requerem procedimentos terapêuticos intensivos e rigorosos, cuidados indispensáveis. Além deles, junto a eles, a recomendação da terapêutica psicanalítica é válida como um recurso específico para alcançar a conscientização do que está por trás da dependência, na origem psíquica, onde os medicamentos não alcançam. E para os casos menos graves ou situações de risco de “cair na drogadição”, é terapêutica muito favorável.
                                                                                  (José Carlos Zanin/médico psicanalista )
                                                                                                                  Post: Nagib Aouar


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